bira david

*Se foi você que fez (ou conhece quem fez) alguma/s das fotos do David que estão ilustrando a Minibio e o texto Bira David por sua Mãe, entre em contato com a gente, que daremos o/s devido/s crédito/s.

Minibio

David Argentino da Silva nasceu carioca e virginiano (‘astrologia? francamente...’ – diria ele), em 1985. Teve uma infância e adolescência animadas. Filho único, os primos tornaram-se irmãos e comparsas desde sempre em suas aventuras. Um de seus primeiros grandes interesses na vida foi a música. E contrabaixo, o instrumento escolhido. Daí surgiu o apelido – Bira, nome do baixista que fazia parte do quinteto do Jô Soares. Mas o ponto comum entre os dois não era apenas o instrumento. Era, também, a gargalhada. Alta, desmedida, contagiante. Marca registrada do David.

Munido de seu instrumento, entregou-se a uma grande paixão musical: o punk rock, estilo celebradíssimo nos anos 80 e início dos 90. Aos 14 anos, influenciado pelos Ramones, montou com alguns amigos a banda Hell Nuts – o estilo já era chamado de pop punk nessa época – e circulou pelas casas noturnas mais underground da cidade, com um som autêntico e cheio de personalidade. Depois, participou da Skore, por uns dois anos; da Buffer, por mais outros dois; e da Nappallu, no início dos anos 2000, com 19 anos.

Graduou-se em Comunicação na Facha e fez cinema na Escola Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro. Suas referências eram, digamos, peculiares. Diretores como John Hughes (de Curtindo a Vida Adoidado e Te Pego Lá Fora) e Adam Sandler (de Um Maluco no Golf e Este É o Meu Garoto) foram inspiradores. Tanto que escreveu e produziu, em 2008, uma versão ‘biranesca’ de Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off): Curtindo a Vida Armado (Ferris Bira’s Day Off). Um filme-piada nonsense, onde o ator principal (alter ego do roteirista – ele próprio, fazendo uma ponta no filme) passa um dia inteiro assaltando pessoas, mas elas nunca lembram dos assaltos, pois suas memórias são apagadas. Outros diretores de cinema dos quais gostava muito eram David Gordon Green (de Pineaple Express), Nicholaus Goossen (de Queridinho da Vovó) e Rodman Flender (de A Mão Assassina).

E, na TV, Hermes & Renato (ainda nos tempos da MTV) eram ídolos. Sempre arrancavam suas gargalhadas. Na verdade, o humor que eles apresentavam parecia com o dele próprio – tinha um estilo rasgado, exagerado e cheio de ironia. David gostava, por exemplo, de contar piadas ‘de preto’. Controverso e polêmico, dizia que, por ser negro, tinha esse direito. Outros ídolos seus, esses na música, eram os MCs Gorilla & Preto. Curtia demais a irreverência deles e não perdia um show. Também adorava o Skank; era um superfã do Samuel Rosa.

Dedicou-se, por alguns anos, à produção de festas. Sempre inventivo, criou, com o primo Alexandre Marcondes (o DJ Johnny Ice), a Pra Frentex. Divertidíssimas, as festas tinham como temática os anos 90 e os convites eram clipes superespirituosos, encenados por outros DJs e amigos. Elas reuniam várias tribos e seu grande orgulho sempre foi dizer que a diversidade era a tônica daqueles encontros. Vanguarda total. Aquelas festas acabaram se tornando, olhando os arquivos hoje, um registro da cidade. Foi uma agitação cultural que converteu em um documento do Rio, um recorte social importante daquela época.

A carreira de fotógrafo, ele iniciou por acaso. David sempre pensou em investir, de verdade, no cinema. Mas foi convidado por um amigo para fazer um freelance para a I Hate Flash, em 2012. Depois mais um, mais outro... E nunca mais parou. Fernando Schlaepfer, Diego Padilha, Rodrigo Esper e os outros fotógrafos da empresa tornaram-se família. Com eles, cobriu grandes eventos (como Rock In Rio, Lollapalooza e Coachella) e muitos outros, nacionais e internacionais. Tomou gosto pela profissão. A fotografia virou paixão e seus olhos, pra lá de atentos, confeccionavam cliques únicos, muitos deles surpreendentemente artísticos.

Seguiu fotografando mundo afora, até que, em 8 de agosto de 2018, aos 32 anos, faleceu, vítima de um infarto. Apesar de tanta festa ‘do lado de fora’, internamente, a luta contra a depressão era uma constante em sua vida, desde a adolescência. E, depois de um contínuo e exagerado uso de medicamentos, seu coração não resistiu.

Bem ao seu estilo, no velório (com mais de 100 pessoas presentes) antes de sua cremação, familiares e amigos contaram piadas e fizeram uma roda, todos de mãos dadas, no jardim do Memorial do Carmo, no Caju, Rio de Janeiro. E, alguns dias depois, aconteceu um piquenique nos jardins do Museu de Arte Moderna do Rio (lugar onde David costumava ir com a mãe quando criança). Em uma tarde de sol e céu azul, cada um dos presentes jogou um pouquinho de suas cinzas nos gramados do MAM.

Como escreveu Guimarães Rosa, ‘a gente morre é para provar que viveu’. Provas há, demais, da vida desse talentoso rapaz, que partiu tão cedo. Este Arquivo é uma delas, apresentando uma coletânea de registros singulares, para quem quiser se aprofundar num olhar bastante sui generis e peculiar. Como a sua indefectível gargalhada.

Março de 2021

Bira David por sua Mãe

Meu amado filho David nasceu no dia 19 de setembro de 1985. Esperadíssimo, primeiro neto de ambas as partes (minha e do pai), trouxe uma alegria enorme às nossas vidas. Foi um menino um pouco levado, mas nada desobediente. Uma lembrança risível sua, que a família sempre comenta quando se reúne, é que, quando o David tinha uns 6 anos, falei que seria melhor ele não assistir mais àqueles filmes de luta (tipo Power Rangers e Cavaleiros do Zodíaco, sucessos à época), pois, volta e meia, ele e seus amiguinhos se machucavam brincando de lutar. Um dia, visitando a casa da sua tia Gilza, ela ligou a TV e disse que ele poderia assistir a um daqueles filmes “proibidos”. Ele, então, falou pra tia: “mas quando eu contar pra minha mãe, ela não vai gostar”. Para ele, omitir da mãe aquele fato não era uma possibilidade.

Essa honestidade dizia muito sobre a sua personalidade. Retidão e altruísmo eram outras de suas características. O David era o tipo de pessoa que ajudava a todo mundo. As portas da nossa casa estavam sempre abertas para receber e abrigar os amigos. Seus equipamentos rodavam as casas de vários colegas de profissão e alguns, inclusive, trabalharam por muito tempo utilizando câmeras e lentes do David, que ele emprestava sem pensar duas vezes. Outra lembrança curiosa é que, quando criança, ele enchia os bolsos de panfletos entregues no trajeto escola-casa. Dizia que queria ajudar àquelas pessoas que trabalhavam nas ruas. Acabei percebendo que o meu medo de que, por ser filho único e filho de um pai filho único também, ele pudesse se tornar uma pessoa egoísta não tinha razão de existir.

O David era divertidíssimo e debochado. Tinha uma gargalhada contagiante e um jeito extravagante de se vestir: bermudas, camisas e meias três quartos sempre coloridas, combinadas com seus famosos bonés e echarpes. Era uma figura única.

Ao longo da vida, fizemos incontáveis coisas bacanas juntos, eu e ele, pois seu pai faleceu quando o David ainda era adolescente. Viajamos bastante (ele sempre muito cavalheiro, me ajudando em tudo) e dividimos momentos inesquecíveis.

Mas os momentos alegres foram rareando, em função de uma doença que começou a lhe rondar muito cedo, aos 14 anos: a depressão. Embora eu tivesse tomado o cuidado de procurar ajuda médica imediata, o processo foi se agravando. E isso criou nele uma total falta de autoestima. O David nunca deu, por exemplo, muito valor ao resultado de seu trabalho. Adorava o que fazia, era dedicado, mas cada job mais parecia o cumprimento de um contrato, a entrega de um dever. Terminava um e seguia para o próximo, e o próximo, e o próximo...

O que quero dizer é que ele nunca viu o trabalho que produzia como algo especial, como arte, como eu sempre vi. Insisti por anos para que ele fizesse uma exposição sua, mas ele nunca quis. E isso tinha, de certo, a ver com a sua baixa autoestima, gerada pela grave doença que tinha, que foi minando o seu estado de espírito e tomando conta dos seus dias. As doses dos diversos remédios que ingeria foram aumentando, até chegarem a um ponto incontrolável. E então o meu querido filho nos deixou: teve um infarto. Partiu deste plano aos 32 anos, em 2018, deixando em mim um vazio que jamais será ocupado e uma saudade que não tem tamanho.

Depois de sua partida, talvez na busca de uma forma de tentar “estender a sua existência” – não sei bem ao certo... –, comecei a pensar mais objetivamente em realizar aquele meu antigo desejo: fazer sua exposição, para mostrar, de alguma forma, que seu trabalho era, sim, lindo e sensível (como ele). Claro que, aos olhos de uma mãe, o trabalho de um filho é sempre incrível e incomparável, mas as opiniões de diversas outras pessoas, inclusive na área da fotografia, indicavam a mesma (boa) crítica.

Não foi uma tarefa fácil organizar todo o material e, durante o período de aglutinação do que o David tinha produzido ao longo de sua carreira, veio a pandemia. A equipe que eu havia contratado para a “empreitada” sugeriu, então, que fizéssemos um arquivo virtual do seu trabalho, com a realização de uma intervenção urbana incluída neste projeto (cartazes com fotos dele coladas pelas ruas da cidade).

Embarquei na ideia e o resultado vocês podem ver aqui, no Arquivo Bira David: um recorte muito bem feito de sua produção. E, muito em breve, teremos uma loja virtual disponível para quem quiser adquirir fotos suas e outros produtos.

Entretanto, como sou de “outros tempos” e não tão fã assim da tecnologia, ratifico que o meu sonho de uma exposição presencial continua vivo e, quando as coisas se acalmarem com relação à pandemia, pretendo finalmente realizá-lo. Aguardem, pois, o convite, assim que possível.

Enquanto isso, envio a todos um abraço afetuoso e espero que apreciem o trabalho do meu querido filho David reunido neste Arquivo.

Giselda
Março de 2021